(...) era apenas a chance, da qual
precisamos cada vez mais neste mundo abarrotado, de reconhecer o milagre
da existência simultânea em algum tipo de celebração".
Esse trecho é do livro "Dançando nas Ruas - Uma História do Êxtase Coletivo"
da escritora americana Barbara Ehrenreich. Ela nos conduz através desse
estudo que fala sobre a repressão e discriminação, que as
manifestações de dança sofrem até os dias atuais.
Em muito de
sua pesquisa a escritora revela situações que tenho vivenciado em meus
trabalhos. A dificuldade que as pessoas sentem ao se confrontar com
novos paradigmas, de se soltar, vivenciar ritmos e se expor...Isso só
vem corroborar a tese de Barbara enquanto medo e vergonha que o
indivíduo carrega dentro de si. A barreira existente nas culturas na
atualidade é reflexo do que ainda carregamos como valores sociais. O
culto ao corpo foi centralizado e idolatrado. Existe uma busca de
perfeição irreal. Provocando uma necessidade quase avassaladora na busca
dessa felicidade em nossa cultura. E para conseguir isso, se apela para
tudo, até mesmo, medicamentos. O que se quer são respostas
imediatistas. A alegria expontânea que surge pela dança foi severamente
combatida durante muitos séculos....Essa repressão não veio somente pela
igreja, mas em muitos momentos pelos próprios colonizadores que
invadiram os continentes Americano e Africano. Em nosso pais, os
próprios índios e negros sofreram esse corte drástico. As danças eram
condenadas por seus aspectos sensuais, catárticos e desprovidos de
sentido. O que era cultural começou a ser encarado como algo
pecaminoso...Começaram a disvirtuar histórias e culturas...
Isadora
Duncan, uma das maiores bailarinas da história foi uma das precursoras
na luta contra a radicalização das danças. Ela quebrou regras, tabus e
preconceitos. Suas danças eram a expressão mais pura do corpo. Ela
dançava descalça. Na época chocou, mas não impediu que continuasse. São
exemplos assim, que fazem com que continuemos essa busca de romper...e
abrir novos horizontes que nos levem a resgatar nossas histórias.
Ao romper do século XX, quando os bailes se tornaram comuns a todas as
classes sociais, a dança ainda permanecia malvista, inclusive por um
grande estudioso do indivíduo, Sigmund Freud. Para ele, qualquer
manifestação popular que envolvesse classes inferiores lhe provocava
aversão. Sem nos esquecer que, a psicologia privilegia o universo do
indivíduo...
"Descrevendo os
aspectos neurológicos que ativam os movimentos quando ouvimos música,
como balançar o corpo e marcar ritmo com os pés. Barbara destaca,
ainda, os aspectos associativos da dança. Inscrições rupestres e
pinturas medievais retratam esses momentos de encontro coletivo, quando o
isolamento é rompido e os laços comunitários são reforçados."
"Não há imagens nas cavernas de pessoas conversando, mas sempre envolvidas em atividades coletivas",
diz Barbara, que credita o preconceito contra a dança ao temor de
sacerdotes, governantes e colonizadores com a identificação entre
membros de um grupo, fortalecida pelos rituais que levavam ao que o
sociólogo Emile Durkheim chamava de 'êxtase coletivo'.
Em
nossos trabalhos, de alguma forma, se rompe algumas barreiras sociais, e
abre-se novos paradigmas ao mostrar através das Danças Circulares um
caminho de despertar e resgatar histórias, raízes e memórias...O filme 'Festa de Babette'
nos mostra valores e dogmas fortes mas, não intransponíveis, quando a
força, amor e coragem de uma Mulher levam a essas redescobertas...
Mas para que isso aconteça basta apenas ouvir a música, se deixar tocar por ela permitindo que o corpo fale sem palavras.
Barbara Ehrenreich estuda o impulso e
o desejo de alegria coletiva, historicamente expresso em rituais e em
festas com banquetes, fantasias e danças e desvela as origens profundas
das celebrações comunitárias na biologia e na cultura humana.
Original, estimulante e profundamente otimista, Dançando nas Ruas
conclui que somos seres sociais por natureza, impelidos a compartilhar
nossa alegria e, assim, capazes de prever e construir um futuro mais
pacífico.
Tradução: Julián Fuks
Fontes: Valor
Bibliografia: Dançando nas Ruas - Uma História do Êxtase Coletivo, Ed. Record, 2010.
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